Eu deveria ter uns 4/5 anos, mas lembro claramente de chegar numa ‘rodada familiar’ e ser obrigado – pelos meus pais – a cumprimentar cada uma daquelas pessoas com um aperto de mão ou beijo na bochecha, além do temido pedido de ‘benção’ da minha avó.
Não fazê-los era o equivalente a mandar todas às favas, se é que você me entende. Ali, naquele momento, tudo era contra minha vontade. Eu, uma criança, só queria chegar discretamente e ficar no meu canto.
Crescemos e as obrigações sociais só aumentam. Não importa apenas ‘passar de ano’. É preciso ser aprovado, mas ter a melhor nota da sala e ser o melhor. Não podemos desapontar ninguém, principalmente nossos pais. É preciso estar com o uniforme impecável, sorrir frequentemente, engolir o choro diante do bullying para não demonstrar fraqueza, praticar o bullying para ser aceito. Quanto ignorância e crueldade! É preciso ser bom em esportes, ser descolado, é sempre preciso ser algo.
Daí, em um ciclo sem fim, é preciso escolher uma profissão (e nem sempre é a que queremos!), ser boa nela, ganhar dinheiro – muito dinheiro, viajar com frequência, namorar. Mas não apenas namorar. Namorar alguém que agrade sua família, seus amigos, e que seja sem defeitos. E entramosna relação cheios de expectativa, pois disseram que precisamos ‘dar certo’ com aquela pessoa, que namorar “está difícil’. Sem nos avisar que expectativa é de quem cria. E a consequência de quando não dá certo? A fruta amarga da frustração. Mas é preciso superar – e rápido – a frustração.
Precisamos estar bem sempre! Precisamos ser magros, sem rugas, definidos muscularmente. Precisamos distribuir inúmeros ‘bons dias’ ao longo de todos os trajetos que percorremos. Não podemos falar alto, nem chamar palavrão. Devemos acordar cedo, dormir cedo, praticar atividades físicas.
Somos obrigados a sermos filhos, amigos, namorados, profissionais de excelência. Precisamos ter uma religião, acreditarmos emalgo. Precisamos ter uma postura honrada. Mas o que é a honra afinal?
Nascemos e crescemos com várias e diversas obrigações sociais que, por vezes, não nosdesagradam. Passamos a nossa vida vivendomuito mais em função do que os outros esperam de nós, do que nós mesmos queremos. E veja, não estou falando aqui de ser mal educado ou grosseiro, de forma algo.
Porém, precisamos normalizar que nem sempre acordamos bem, que nem sempre queremos dizer ‘bom dia’ para todos, que nem sempre queremos sorrir, sermos engraçados, com o corpo em forma. Que nem sempre queremos ser amigos, filhos, namorados.
Muitas vezes, queremos apenas andar com roupas amassadas, ficarmos calados, chamar palavrão, comer gordura, tomar uma taça de vinho e sermos felizes, nem que seja por uma fração de segundos. Queremos ser felizes da forma que nos convêm. As vezes, só não queremos ser obrigados a conviver em uma sociedade que, ao invés de nos aceitar, nos obriga!
*Bruno Mazieri tem 36 anos, é jornalista e atua como assessor de imprensa