Em entrevista exclusiva, Ricardo Nicolau contou porque decidiu se descompatibilizar do mandato de deputado estadual para se tornar, por mais de dois meses, gestor do Hospital de Campanha Gilberto Novaes, mas falou, também, do que sentiu quando testou positivo para Covid-19 e da sua felicidade em ver as 611 pessoas saírem curadas do hospital. Concluiu: “Acredito que daremos mais valor à família, à vida, teremos mais empatia e amaremos mais o próximo.”.
PORTAL MAZÉ MOURÃO – Por que o senhor quis se descompatibilizar do cargo de deputado para se tornar gestor?
RICARDO NICOLAU – Eu trabalho há mais de 30 anos na área da saúde médica e hospitalar. Decidi me licenciar porque acreditava que seria mais útil na linha de frente do combate à Covid-19, me dedicando exclusivamente ao hospital de campanha municipal que o Grupo Samel ajudou a montar, em apenas quatro dias, e a gerir durante a pandemia. No quinto dia, em 13 de abril, já recebemos os primeiros pacientes. Penso que foi a opção mais acertada, ainda mais nesta crise tão desafiadora, que atingiu o mundo inteiro. Fiz o que devia ser feito.
PMM – Nesses três meses trabalhando quase que diuturnamente, o que mais o comoveu?
RN – Em 30 anos trabalhando com saúde, eu posso afirmar que nunca vi nada parecido com o que vivenciamos nessa pandemia. O momento de pico da doença em Manaus foi bastante difícil, porque víamos muitos pacientes chegando às unidades de saúde em estado extremamente grave, o que contribuiu para o grande número de óbitos. A guerra contra a Covid-19 exigia três fases importantes: isolamento, diagnóstico precoce e o acompanhamento pela parte dos médicos para evitar a hospitalização. Infelizmente, o Amazonas falhou em todas. Uma das bandeiras que sempre defendi neste período era a do diagnóstico precoce, justamente para diminuir, escalonar, preparar a rede pública de saúde e, principalmente, salvar vidas.
PMM – O que mais o deixou irritado?
RN – O sentimento de impotência diante dos pacientes que chegavam ao hospital de campanha, encaminhados de outras unidades de saúde, já em estado muito grave. Pacientes que não conseguiam sair com vida da ambulância ou que não conseguiam permanecer com vida por uma hora sequer dentro do hospital. Esses foram os momentos mais difíceis, de maior aflição, até pelo fato de a estratégia de saúde, em nível mundial, ter sido equivocada, quando, àquela altura, recomendava que as pessoas permanecessem em casa em vez de procurarem o cuidado precoce logo nos primeiros sintomas. A meu ver, esse foi um dos problemas que fizeram o número de óbitos ser descomunal.
PMM – O senhor teve medo quando testou positivo Covid-19?
RN – É claro que, no início da pandemia, havia muita apreensão, afinal, estávamos diante de uma doença desconhecida, com a qual a ciência e os médicos foram aprendendo a lidar ao longo da pandemia. Quando eu testei positivo, tive medo, sim. Medo pela minha saúde, pela saúde da minha família. Ninguém é super-herói. Eu já tinha mais de 20% de comprometimento pulmonar quando fui diagnosticado e senti o mesmo que muitos pacientes sentiram. Graças a Deus, devido ao diagnóstico precoce, pude fazer o tratamento em casa, totalmente isolado, mas cheguei a ter uma hipotensão grave e a fazer medicamentos injetáveis, antibióticos e anticoagulantes. Quando vamos para a guerra, não sabemos o que nos espera. Isso é normal. A vida é feita de riscos que a gente tem que enfrentar.
PMM – Sonhou, nesse tempo, com a notícia do final da Pandemia?
RN – Se tem algo que nunca devemos perder é a esperança, então, creio que o mundo inteiro sonhe com essa notícia. Todos nós, infectados ou não pelo novo coronavírus, sairemos diferentes desta pandemia, nos tornando seres humanos melhores, espero. Essa doença, embora muito dura, veio para sacudir as pessoas, que já estavam perdendo a fé e deixando valores importantes para trás. Esta crise nos deixa um ensinamento de vida e várias lições. Acredito que daremos mais valor à família, à vida, teremos mais empatia e amaremos mais o próximo. Hoje, depois de ter vivenciado a pior fase desta pandemia, fico extremamente feliz em ver que os números de casos da doença estão reduzindo cada dia mais. Mesmo que ainda que tenhamos uma segunda onda, tenho fé em Deus de que não será mais tão avassaladora como foi a primeira.
PMM – Como se desenvolveu o trabalho no Hospital de Campanha?
RN – Acredito que o Hospital de Campanha Municipal Gilberto Novaes, fruto de uma parceria público-privada entre Grupo Samel, Instituto Transire e Prefeitura de Manaus, foi um grande aliado no combate à doença causada pelo novo coronavírus. Teve um papel determinante para aliviar os impactos da pandemia na cidade de Manaus. Se hoje os números na capital amazonense tiveram uma redução significativa, com certeza o papel dos profissionais da linha de frente do hospital colaboraram para isso. Foram 611 altas médicas concedidas em pouco mais de dois meses de funcionamento da unidade, que se tornou um hospital de alta complexidade, operando com as mesmas tecnologias e os mesmos protocolos da rede de saúde privada Samel.
QUEM É
Ricardo Nicolau, diretor do Grupo Samel, foi coordenador do Hospital de Campanha Municipal GIlberto Novaes, por 71 dias e é deputado estadual pelo PSD.