Ao abrir a porta do meu apartamento, recebi uma lufada de vários aromas distintos que não conversavam entre si, mas compunham uma sinfonia solfejada pelo agridoce dos temperos do peru, e, escala acima, o alho se banhando no azeite extra virgem, onde os grãos de arroz mergulhariam para sairem com uma bela carinha bronzeada. Ao longe, notas de mel com a mistura dos cravinhos que lustravam o tender. A apoteose foi o latido do cachorro que estava há tempos sozinho, dono de um apartamento sem vivalma. A tarde de um dia 24 é triste e ela passa muito lentamente, algumas vezes em um silêncio que dá a possibilidade de ouvir uma colher caindo, bem distante. Entre a minha saída ou entrada, como queira o leitor, até o elevador fui atingida por sustenidos, bemóis, pianíssimo de lembranças de Natal por causa de todas aquelas sensações olfativas: Minha avó Maria enfiando goela abaixo um naco de quibe cru, a chegada do meu avô Paulo onde se formava fila para tomar a benção, meus primos tomando sangria escondido, num quartinho no fundo da casa da Quintino, enquanto o casamento da dia Helmosa com tio Evaristo transcorria solene na sala. Na casa do tio Miguel Nasser, na rua Costa Azevedo, o chisbarak fervendo sob o olhar atento da tia Neném. O bangalô da tia Genó e do tio José que eu achava igual a casinha de boneca. O caminhar pela Joaquim Nabuco, com meus pais comandando os cinco filhos para o almoço de domingo, na casa da Quintino Bocaiúva. A casa da vovó.
Muitas e outras saudades – dane-se a gramática – nessa horinha, também fizeram parte dessa breve canção olfativa, mas não quero deixar o leitor enfadado. Até.
