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Cultura

A arte em Parintins e a força da cultura popular

Talentoso desde sua origem amazônida, o parintinense traz no DNA uma assinatura única de criatividade e resistência


O Festival de Parintins, além de ser um produto cultural e turístico do Amazonas, é também um agente de transformação social na vida de mulheres; pessoas pardas; pretas; descendentes de indígenas; pessoas LGBTQIAP+ e tantas outros que historicamente foram invisibilizados.

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Fotos: Ericky (Michel Amazonas) Rafaela Souza (arquivo pessoal )

Nos galpões dos Bois Caprichoso e Garantido, em Parintins, muitas pessoas encontram a oportunidade de se descobrir profissionalmente, gerando renda e ganhando destaque em seus campos artísticos.

Das indumentárias ao Conselho de Artes

Ericky Nakanome é exemplo disso. Descendente de japoneses, ainda curumim, enfrentou as intempéries naturais de uma criança pobre nascida no interior do Amazonas. Filho de mãe solo, brincava nas ruas e quintais do bairro Santa Clara e, aos 10 anos, jamais imaginaria se tornar um dos grandes nomes do Festival de Parintins. Com talento nato e oportunidades oferecidas por espaços, como a Escola de Artes Irmão Miguel de Pascale, Nakanome se tornou referência.

“Iniciei na Escola de Artes Irmão Miguel de Pascale na oficina de desenho e depois participei de outras oficinas. Conheci outras linguagens artísticas, como pintura, escultura, dança, teatro e instrumentos musicais. A força desse projeto social trouxe para minha vida uma transformação gigante”, pontuou.

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Fotos: Michel Amazonas

Mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor de Artes Visuais na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Ericky Nakanome, na sua trajetória artística, atuou como artista de indumentária, desenhando e costurando vestidos para a Sinhazinha da Fazenda e interpretou o personagem Gazumbá no Auto do Boi.

Atualmente, ocupa o mais alto posto artístico do “Boi da Estrela”, é presidente do Conselho de Artes. A trajetória do sonho à realidade, recorda o artista, foi longa e dolorosa, e em vários momentos pensou em desistir. Para ele, quem nasce no interior do Brasil, mais precisamente no Amazonas, está distante de inúmeras oportunidades e espaços que dão visibilidade aos artistas.

“Até essa transformação social, o caminho desse sonho, foi o Boi Caprichoso, pelo desejo que eu sentia na infância e pelas realizações que fui construindo no meu espaço. Como aluno de desenho, pintura e escultura, conhecendo pessoas, convivendo com a história do Caprichoso, construindo as minhas referências. E essa transformação me deu certeza de quem sou como identidade, sexualidade e personalidade, numa construção de caráter e de todas as referências que tenho, não só de arte, mas também de memória”, explicou.

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Fotos: Michel Amazonas

Presença feminina

Rafaela Souza, a Potira, revela a força feminina em um meio majoritariamente masculino. A arte a levou a entrar em espaços inéditos. Em 2022, foi a primeira mulher a assinar contrato como figurinista no Festival Folclórico de Parintins. A artista criou o vestido de Valentina Coimbra, Sinhazinha do Boi-Bumbá Garantido.

“Foi a minha estreia e a dela na arena”, recorda Rafaela, completando que sempre houve mulheres artistas nos dois bois, como Graça Faria e Carmen Cid, que são suas inspirações, mas que nunca assinaram contratos como figurinistas.

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Fotos: Arquivo pessoal

“Infelizmente, essas artistas nunca assinaram contratos como figurinistas. São definidas como costureiras, mas são grandes artistas. Quero muito que mais mulheres artistas apareçam e sejam valorizadas”, destacou.

Rafaela lembra que a arte sempre esteve presente na sua vida, iniciando no Grupo de Dança Garantido Show de 1997 a 2000. Em 2009, começou a confeccionar acessórios — tiaras e casquetes de penas — quase por acaso.

“Montei um acessório só observando outras pessoas fazendo. Quando cheguei ao ensaio, recebi elogios e todos perguntaram quem tinha feito. A partir daí, comecei a receber encomendas”, conta, confirmando que a arte em Parintins é algo natural.

Além da ilha

Rafaela conquistou o mundo do Carnaval, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo.

Em 2016, foi convidada para fazer a ala das passistas da Escola de Samba Beija-Flor, tornando-se a primeira mulher artista de Parintins a estar na linha de frente de uma escola de samba carioca. Ela também recebeu o prêmio de Melhor Comissão de Frente no Carnaval de São Paulo, pela Escola Gaviões da Fiel, e foi vencedora do prêmio de Melhor Figurino de Luxo pela Unidos da Tijuca, no Rio de Janeiro.

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Fotos: Arquivo pessoal

A experiência em escolas de samba deu origem ao “Potyra Ateliê”, que expandiu seus acessórios para todo o Brasil e chegou à Europa.

“Minha arte já foi exposta na Europa, em Gmünd, na Áustria. Após morar em São Paulo, estou de volta ao Amazonas há quatro anos, onde mantenho meu ateliê em Manaus. Hoje, minha arte expandiu para art décor e cenografias. Amo o que faço e é de onde vem a minha renda”, comemora.

Rafaela conta que cursou três períodos de Psicologia, mas se encontrou mesmo na arte. “A arte mudou completamente minha vida e para melhor. Ser uma mulher nesse meio, onde predominam artistas homens, é motivo de orgulho, pois trago a representatividade feminina”, completou.

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