Quando as luzes da passarela se apagam para o desfile da Bottega Veneta começar, todos os convidados presentes, imprensa e público da marca no mundo inteiro já sabem o que esperar: peças escultóricas com belo acabamento e bolsas produzidas com as técnicas mais avançadas. É o mesmo sentimento quando a Louis Vuitton apresenta uma coleção sazonal.

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O que ninguém esperava era a enxurrada de peças de couro vistas nas últimas coleções apresentadas nas Fashion Weeks de Paris, Milão e Nova Iorque. Itens dos mais diversos tipos – como o “porta-flor” da própria Bottega – até looks feitos inteiramente de couro – como no desfile da Miu Miu – tomaram as passarelas e revelaram uma realidade difícil de aceitar: o couro está voltando a ser sinônimo de alto luxo.
Considerado – com ressalvas – um retrocesso, a indústria de materiais exóticos ameaça a sobrevivência de animais no planeta, além de ter impactos ambientais consideráveis nos níveis de poluição e desmatamento. Isso porque a produção em larga escala envolve o uso de grandes quantidades de água, sal, cal, sulfetos e outros materiais tóxicos, além de demandar grandes áreas de floresta para criação de gado.
Se ainda considerarmos a exclusividade exigida pelo público das grandes maisons, a disputa é mais ávida por materiais que vão além do comum, o que coloca em risco animais como jacarés, crocodilos, cobras ou avestruzes.

ONE NIGHT IN BANGKOK NA NYFW (Foto: Launchmetrics; spotlight)
Em busca do couro perdido
Em 2024, o mercado de bens de luxo pessoais sofreu uma queda pela primeira vez desde 2008 – excluindo o ano da pandemia de COVID-19. Os dados são do estudo de bens de luxo da Bain-Altagamma, que mostrou uma retração de 2% em relação ao ano de 2023.
O mesmo relatório estimou que apenas 1/3 (um terço) das marcas de luxo deve ver suas receitas crescerem em 2024, em comparação com 66% das marcas que registraram crescimento positivo em 2023.
Assim, reconquistar o público disposto a gastar alguns milhares de dólares ou euros em um único item, seja pela exclusividade da peça ou label, pode ser a estratégia por trás da avalanche de itens de couro vista nos últimos desfiles.
- Prada Outono-Inverno 25-26 na fashion week de Milão (Foto: Launchmetrics; spotlight)
- Emporio Armani Outono-inverno 25-26 na fashion week de Milão (Foto: Launchmetrics; spotlight)
Conversa para boi dormir
Diferente do que muitos pensam, a indústria do couro não “reaproveita” materiais que iriam para o lixo, e esse processo é tão complexo quanto o próprio mercado da carne bovina.
Segundo um relatório do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), de 2023, uma das características dessa indústria é a dificuldade de rastrear a matéria-prima dos curtumes (pele) e a rastreabilidade interna do produto ‘final’ (couro). É nesse mercado obscuro que o Brasil figura em 3º lugar na lista global dos principais produtores de pele natural e crua.
Não é à toa que poucas marcas (38%) são transparentes quanto aos seus processos de produção, conforme mostrou o Índice de Transparência da Moda Brasil (ITMB) de 2023, produzido pelo Fashion Revolution.

Valentino pré Outono-Inverno 25-26 na fashion week de Paris (Foto: Launchmetrics; spotlight)
Na contramão do mercado
Avançando rumo à mudança no cenário da moda, a London Fashion Week, uma das principais semanas de moda do mundo, optou por proibir o uso de peles de animais selvagens nas passarelas.
A decisão foi anunciada por David Leigh-Pemberton, vice-diretor de política e engajamento do British Fashion Council (BFC), durante um discurso ao Parlamento britânico, que ampliou a restrição para incluir materiais oriundos de crocodilos, cobras e lagartos. Em 2023, o evento já havia banido o uso de peles tradicionais.
De forma tímida, mas simbólica, grandes marcas extinguem processos e produtos que colocam em risco o futuro do planeta, mostrando que há alternativas sem comprometer suas altas margens de lucro. É o caso da Burberry, que baniu o uso de peles exóticas em 2022, provando que existe, sim, um futuro sustentavelmente luxuoso.